Mulheres Encaram Trabalho como "fonte de poder e de autonomia"
Lurdes, 35 anos, trabalha como copeira das três da tarde às 11 da noite. Esta mãe de cinco filhos entre os quatro e os 15 anos deita-se perto da uma da manhã e acorda bem cedo para deixar almoço e jantar preparados e pôr os miúdos na escola. Os seus dias são longos e Lurdes não esconde o cansaço. Mas nem pensar em deixar de trabalhar.
Diz que gosta de estar rodeada de colegas e da autonomia que o emprego lhe dá. "Sou senhora do dinheiro e de comprar o que quero quando posso." Esta é apenas uma das muitas histórias recolhidas pela socióloga Anália Torres numa série de entrevistas feitas a casais e que constam do livro recentemente publicado "Vida conjugal e trabalho - uma perspectiva sociológica" (da editora Celta).
A situação descrita remete para uma das conclusões que a investigadora destaca da sua pesquisa: trabalhar serve para pagar as contas, mas é mais do que isso, apesar de por vezes ainda se insistir na ideia de que, se pudessem, muitas mulheres regressariam a casa. "O trabalho é uma fonte de auto-estima, de valorização, de poder, de autonomia em relação aos maridos." E isto acontece em diferentes classes sociais.
Estatutos distintos
"Se seriam de esperar, em relação a certas categorias profissionais, interpretações do trabalho exterior que sublinhassem as dimensões libertadoras, individualizantes e autonomizantes dessa actividade, encontrar posições relativamente idênticas em sectores profissionais onde o trabalho é muito pouco qualificado constituiu, de certa forma, uma surpresa."
A imagem de mulher como "companheira, igual em direitos e deveres" é, de resto, sublinhada, ao longo das entrevistas (com eles e com elas), de forma muito mais nítida do que seria de esperar.
Em contrapartida, "tudo se passa como se fosse ainda preciso pagar o preço da maior autonomia conquistada através do exercício de uma profissão". Esse preço é o "sobretrabalho" que resulta de uma enorme desigualdade na divisão das tarefas domésticas entre homens e mulheres.
"Acho que as pessoas não têm a noção, mas entre 1981 e 2001 entraram no mercado de trabalho 870 mil mulheres e apenas cerca de 93 mil homens. Há quase tantas mulheres como homens no mercado. Mas este peso que elas têm não é ainda suficientemente valorizado", diz ao PÚBLICO Anália Torres.
A crescente actividade feminina também não teve correspondência numa equivalência de estatutos perante as empresas ("as mulheres são consideradas trabalhadoras com família, os homens são supostamente trabalhadores 'livres'"). E os salários são distintos. Em 1999, 61,4 por cento das trabalhadoras tinham rendimentos pessoais inferiores a 375 euros/mês, o mesmo acontecendo com apenas 26,4 por cento dos homens.
Mas os "constrangimentos de género não se fazem sentir da mesma forma em todos os contextos, nem em todos os momentos da vida conjugal".
José e Beatriz constituem um jovem casal com um filho de dois anos. Ele é licenciado em História, trabalha num museu, está totalmente empenhado, prepara-se para fazer um mestrado. Ela é uma professora cansada.
Beatriz vive uma situação contratual instável e desejava ter mais dinheiro para delegar tarefas numa empregada, mas também para poder estudar e "aprender mais coisas". Não será para já. Ele chega sempre mais tarde do que ela. Ela tem a criança para cuidar.
Jovens em "stand by"
"Eles na carreira, elas em 'stand by'", foi o título que Anália Torres escolheu para o capítulo que fala sobre jovens casais com formação universitária: "Tudo indica que na fase do ciclo de vida em que se encontram, com os filhos pequenos e os cônjuges em início de carreira, elas se retraem", como se sentissem que esse é o seu dever.
O facto de terem de se confrontar com esta necessidade de escolher entre maternidade e profissão pode acarretar, nalguns casos, o adiamento da maternidade. Países como a Noruega, que têm simultaneamente elevadas taxas de mães trabalhadoras e elevados índices de fecundidade, mostram, contudo, que esse conflito pode ser ultrapassado se se investir em políticas de conciliação, diz a socióloga.
Já a Espanha ou a Grécia, com menores percentagens de mães trabalhadoras, têm índices de fecundidade mais baixos. "Isto põe completamente em causa a ideia segundo a qual, para aumentar a população, as mulheres deveriam voltar para casa."
Diz que gosta de estar rodeada de colegas e da autonomia que o emprego lhe dá. "Sou senhora do dinheiro e de comprar o que quero quando posso." Esta é apenas uma das muitas histórias recolhidas pela socióloga Anália Torres numa série de entrevistas feitas a casais e que constam do livro recentemente publicado "Vida conjugal e trabalho - uma perspectiva sociológica" (da editora Celta).
A situação descrita remete para uma das conclusões que a investigadora destaca da sua pesquisa: trabalhar serve para pagar as contas, mas é mais do que isso, apesar de por vezes ainda se insistir na ideia de que, se pudessem, muitas mulheres regressariam a casa. "O trabalho é uma fonte de auto-estima, de valorização, de poder, de autonomia em relação aos maridos." E isto acontece em diferentes classes sociais.
Estatutos distintos
"Se seriam de esperar, em relação a certas categorias profissionais, interpretações do trabalho exterior que sublinhassem as dimensões libertadoras, individualizantes e autonomizantes dessa actividade, encontrar posições relativamente idênticas em sectores profissionais onde o trabalho é muito pouco qualificado constituiu, de certa forma, uma surpresa."
A imagem de mulher como "companheira, igual em direitos e deveres" é, de resto, sublinhada, ao longo das entrevistas (com eles e com elas), de forma muito mais nítida do que seria de esperar.
Em contrapartida, "tudo se passa como se fosse ainda preciso pagar o preço da maior autonomia conquistada através do exercício de uma profissão". Esse preço é o "sobretrabalho" que resulta de uma enorme desigualdade na divisão das tarefas domésticas entre homens e mulheres.
"Acho que as pessoas não têm a noção, mas entre 1981 e 2001 entraram no mercado de trabalho 870 mil mulheres e apenas cerca de 93 mil homens. Há quase tantas mulheres como homens no mercado. Mas este peso que elas têm não é ainda suficientemente valorizado", diz ao PÚBLICO Anália Torres.
A crescente actividade feminina também não teve correspondência numa equivalência de estatutos perante as empresas ("as mulheres são consideradas trabalhadoras com família, os homens são supostamente trabalhadores 'livres'"). E os salários são distintos. Em 1999, 61,4 por cento das trabalhadoras tinham rendimentos pessoais inferiores a 375 euros/mês, o mesmo acontecendo com apenas 26,4 por cento dos homens.
Mas os "constrangimentos de género não se fazem sentir da mesma forma em todos os contextos, nem em todos os momentos da vida conjugal".
José e Beatriz constituem um jovem casal com um filho de dois anos. Ele é licenciado em História, trabalha num museu, está totalmente empenhado, prepara-se para fazer um mestrado. Ela é uma professora cansada.
Beatriz vive uma situação contratual instável e desejava ter mais dinheiro para delegar tarefas numa empregada, mas também para poder estudar e "aprender mais coisas". Não será para já. Ele chega sempre mais tarde do que ela. Ela tem a criança para cuidar.
Jovens em "stand by"
"Eles na carreira, elas em 'stand by'", foi o título que Anália Torres escolheu para o capítulo que fala sobre jovens casais com formação universitária: "Tudo indica que na fase do ciclo de vida em que se encontram, com os filhos pequenos e os cônjuges em início de carreira, elas se retraem", como se sentissem que esse é o seu dever.
O facto de terem de se confrontar com esta necessidade de escolher entre maternidade e profissão pode acarretar, nalguns casos, o adiamento da maternidade. Países como a Noruega, que têm simultaneamente elevadas taxas de mães trabalhadoras e elevados índices de fecundidade, mostram, contudo, que esse conflito pode ser ultrapassado se se investir em políticas de conciliação, diz a socióloga.
Já a Espanha ou a Grécia, com menores percentagens de mães trabalhadoras, têm índices de fecundidade mais baixos. "Isto põe completamente em causa a ideia segundo a qual, para aumentar a população, as mulheres deveriam voltar para casa."
Investigadora analisou dados do Reino Unido e de Portugal e diz que essa é a maneira mais fácil de aliviar a pressão
Mostram os números que, no que diz respeito à relação entre vida profissional e familiar, as mulheres que trabalham em "part-time" revelam níveis de "stress" bastante mais baixos do que as que trabalham a tempo inteiro. É assim no Reino Unido, onde os empregos a tempo parcial se tornaram comuns - 34 por cento das britânicas que trabalham estão nesse regime, o mesmo acontecendo com apenas quatro por cento das portuguesas.
Será que as portuguesas - que ostentam níveis médios de "stress" na conciliação entre vida familiar e profissional significativamente superiores aos das britânicas - teriam a ganhar se aderissem mais ao sistema do tempo parcial? Ou o melhor mesmo é olhar para o que se passa dentro de casa? A questão foi levantada ontem, por Rosemary Crompton, da City University, em Londres, durante um seminário de apresentação dos resultados de um inquérito internacional sobre "Família e papéis de género", em Lisboa.
Crompton analisou as respostas dos inquiridos no Reino Unido e em Portugal e verificou que, somadas as horas de trabalho fora de casa com as que são gastas nas tarefas domésticas, as portuguesas têm uma carga horária muitíssimo superior à das britânicas.
A culpa é dos trabalhos de casa. Analisando apenas as mulheres casadas, com empregos a tempo inteiro, a disparidade é flagrante: em Portugal elas gastam 22,19 horas por semana nas tarefas domésticas; no Reino Unido fazem tudo em 10,61 horas. "E não creio que no Reino Unido as pessoas andem particularmente sujas", comentou a investigadora.
Os dados revelam que as portuguesas até recorrem mais à ajuda de terceiros (empregadas domésticas, por exemplo) e que num e noutro país os maridos ajudam sensivelmente o mesmo (gastando 6,4 horas por semana no Reino Unido e 5,8 em Portugal).
Resta a explicação de, possivelmente, os padrões de exigência no que diz respeito à limpeza da casa, da roupa, ou dos filhos serem muito mais elevados em Portugal. "Uma questão cultural", sugere.
Certo é que "a redução do horário laboral seria benéfica para as mulheres portuguesas". Mas, reconhece Crompton, o exemplo britânico mostra que o "part-time" está associado a redução de salários (e Portugal já tem salários médios bem mais baixos do que aquele país), menos possibilidade de promoção e até a um reforço das perspectivas mais conservadoras no que diz respeito aos papéis de homens e mulheres.
Por isso, Crompton conclui que a medida mais fácil "que poderia reduzir a pressão sentida pelas trabalhadoras portuguesas" parece mesmo ser "uma redução nas horas do trabalho doméstico".
in "Jornal Público", 15/01/2005
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